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Na Polônia, o futuro se prepara para a guerra: aulas de tiro viram disciplina obrigatória


Na Polônia, a frase “vai estudar” ganhou uma nova conotação. Desde este mês, adolescentes de 13 e 14 anos não apenas resolvem equações ou memorizam batalhas históricas, mas aprendem a atirar. Não há pólvora nem projéteis, apenas simulações a laser e movimentos calculados com rifles e pistolas. A guerra é hipotética, mas a preparação é real.


As aulas de manuseio de armas, agora obrigatórias no currículo nacional, são a resposta mais visível do país ao seu novo tempo. A guerra na Ucrânia, há quase dois anos, dissolveu ilusões de paz duradoura no Leste Europeu e fez da Polônia uma espécie de estado sentinela da OTAN. De lá, se observa a Rússia com um olho atento e os tanques com outro.

“É sobre estar pronto”, resume um estudante em uma escola pública próxima a Varsóvia. Entre tiros simulados e lições sobre armas, há pouco espaço para abstrações. “Se algo acontecer, quero saber o que fazer”, ele diz, com uma seriedade incomum para um garoto de 13 anos.


Aula 1: O pragmatismo das armas - Nas 18 mil escolas públicas polonesas, a novidade não causa escândalo. Em vez disso, encontra uma juventude receptiva e até entusiasmada. Os estudantes trocam cadernos por réplicas de armas, ouvem instruções de postura e praticam mirando alvos imaginários. As simulações com laser substituem o perigo, mas a mensagem é clara: o treinamento é técnico, o contexto é existencial.


A política educacional, anunciada como parte de um esforço mais amplo de fortalecimento militar, é também um sintoma de um país onde o patriotismo se entrelaça com o medo. O governo polonês, liderado por conservadores, defende que a medida é “um investimento na defesa nacional” e na formação de cidadãos prontos para a guerra.


“Ensinar nossos jovens a manusear armas é prepará-los para proteger suas famílias e seu país”, declarou um porta-voz do Ministério da Defesa.


Gastos e trincheiras invisíveis - O investimento polonês em segurança não para nas salas de aula. Em 2023, o país aumentou seus gastos militares em 75%, alcançando US$ 31,6 bilhões — o maior crescimento na Europa. Tanques Leopard, caças F-35 e artilharia de longo alcance são comprados em série. É uma demonstração prática de que a Polônia não quer ser pega de surpresa.


A lógica por trás das aulas de tiro é a mesma. Para um país que já viu seu território ser repetidamente dividido, ocupado e destruído, a guerra nunca pareceu tão perto. A fronteira com a Ucrânia virou linha de frente simbólica, e a Rússia, embora não tenha invadido diretamente, paira como uma sombra persistente.


O peso da história - A Polônia é um país que carrega a história no osso. Marcada pela ocupação nazista, pelo domínio soviético e por revoltas sangrentas, a narrativa nacional é construída em torno de resistência e resiliência. Nesse contexto, preparar adolescentes para “defender a pátria” soa menos radical do que em outros lugares.


“A guerra na Ucrânia nos mostrou que a paz pode ser frágil. A Polônia está fazendo o que precisa para sobreviver”, explica um historiador local. Não é exagero: em cidades próximas à fronteira, sirenes soam com frequência durante exercícios militares. Em Varsóvia, abrigo nuclear virou assunto de família.


Aulas sob debate - Apesar da recepção positiva entre muitos jovens, a inclusão das aulas no currículo gera críticas. Oponentes acusam o governo de militarizar a juventude e de normalizar a ideia de um futuro conflagrado. “Transformar o ambiente escolar em um campo de treinamento reforça o pânico e divide a sociedade”, criticou um parlamentar da oposição.


Para os apoiadores, porém, a questão é prática. Se o conflito explodir, a Polônia não pode se dar ao luxo de ter uma população despreparada. O treinamento com armas, mesmo em simulação, seria um gesto de responsabilidade.


A guerra, os jovens e o amanhã - Na sala de aula, adolescentes miram silenciosamente seus alvos. O som dos disparos é mudo — apenas luzes piscando —, mas a cena carrega um simbolismo ruidoso. A Polônia prepara uma geração que cresceu sob a sombra de conflitos recentes e o eco de guerras passadas.


Entre a necessidade e a inquietação, o país aposta em seus jovens como peça central de uma estratégia de sobrevivência. A guerra, afinal, já não é só uma lição de história. Para muitos na Polônia, ela é um futuro que se desenha a cada disparo simulado.

 

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